domingo, outubro 12, 2003

Escola da Família

Hoje é 12 de outubro, dia das crianças. Como não tinha nada pra fazer resolvi me oferecer para fazer atividades em uma escola de periferia da cidade. Vou falar um pouco sobre isso.
O Governo do Estado de São Paulo colocou em prática um programa que se chama "Escola da Família". Consiste no seguinte: as escolas do estado passam a ficar abertas durante o fim de semana no intuiuto de que as famílias a frenquentem para realizar atividades, que são oferecidas por bolsistas do estado (que ganham a mensalidade da universidade onde estudam) ou voluntários que saibam alguma coisa e se proponham a ensinar na escola. Funciona sábado e domingo de 8 da manhã às 5 da tarde. Há um coordenador em cada escola com diploma de curso superior e que recebe 700 reais para trabalhar 20 horas semanai (8 sábado; 8 domingo; e 4 durante a semana em reuniões), a diretora do colégio recebe igualmente a quantia de 700 reais para estar no colégio nos fins de semana, só que apenas 4 horas por sábado e 4 por domingo.
Pois bem, há um colégio na periferia de Bauru que a diretora é minha amiga e me convidou para fazer alguma coisa lá como voluntária, como não estou trabalhando, não vi problema na proposta.
Até hoje fui lá 3 vezes.
Da primeira vez voltei pra casa com o coração doendo e uma enorme tristeza na alma pois visitei a biblioteca da escola e tive uma horrenda surpresa, vi livors que nem em sonho eu imaginava ter numa biblioteca de escola pública (Exercícios de ser criança, do Manoel de Barros; A maior flor do mundo, do Saramago; Fita verde no cabelo, do Guimarães Rosa) fora os de sempre, autores consagrados na literatura infantil brasileira, como Ana Maria Machado, Silvia Orthof, Ruth Rocha (só para citar alguns). E os livros estavam tão maltratados, jogados em estantes sujas, num lugar escuro e sombrio, pobrezinhos, abandonados! A sensação que tive deve ter sido similar a que os Europeus tiveram quando encontraram na América índios cobertos de ouro sem a minima noção do valor que aquilo tinha no mundo dito "civilizado", o que maravilhava meus olhos, invadia meu ser de cobiça, povoava minha alma de sonhos e me proporcionava os prazeres da carne nada significava para aquela comunidade de periferia, que sequer sabia quem eram Saramago, Guimarães Rosa ou Manoel de Barros.
Até hoje não me recuperei completamente dessa visita, ainda me dói o coração pensar que aquelas crianças poderiam conhecer coisas tão preciosas se alguém trabalhasse isso com elas, no entanto o governo do Estado, embora se disponha a formar uma biblioteca tão rica materialmente não tem a mínima noção de que não bastam os recursos materiais sendo necessários também os recursos humanos para que o desenvolvimento humano se dê. A biblioteca tem um acervo material fantástico mas não tem um bibliotecário (ou alguém responsável por desenvolver atividades lá dentro), o governo não libera verba para pagar uma pessoa que possa fazer isso. Dá pra entender? Se alguém entendeu me explica como se eu tivesse cinco anos de idade porque eu não consigo compreender tamanho descaso, tamanha ignorância.
Bem, passemos para a segunda vez que estive na tal escola.
Da segunda vez fui para fazer uma atividade com pessoas da terceira idade, preparei uma atividade com origami e contação de história. Resultado: não apareceu ninguém! o máximo que consegui foi que uns gatos pingados (crianças que estavam por lá) se interessassem pelo que eu estava fazendo e me pedissem pra eu ensinar a elas. O que de todo não foi ruim. A partir daí comecei a reparar, imagina, a escola é um lugar mitificado, é um lugar onde se aprende e se ensina e isso na cabeça das pessoas, principalmente as mais simples, é uma grande coisa! Ninguém entra numa escola pra se divertir, pra se descontrair, achando que ali vai ser super legal fazer alguma coisa. A escola da família nesse sentido, principalmente na periferia, é um fracasso, porque a família não frequenta!
Da terceira vez, que foi hoje, me propus a fazer brinquedos de sucata com as crianças, elas apareceram, um tanto sujas por demais (mas tudo bem), quando digo sujas não imaginem sujas, imaginem sujas, crianças descalçadas que moram em ruas sem asfalto e estavam brincando desde manhã (imaginaram?). Não haviam levado a sucata necessária para a confecção do brinquedo, um pouco por má vontade mesmo. Estavam inquietas, um pouco agressivas... e eram parcas crianças... não posso dizer que não fiquei satisfeita com a atividade porque quantidade prova nada, principalmente em educação, mas gostaria de trabalhar com mais crianças, provocar sorriso em mais gente!
A situação é muito séria, ler o que escrevo é diferente de ter visto e vivido isso, quando a gente se depara com a situação, quando a realidade está diante dos olhos, dói mais, a indignação é maior.

Porque hoje é dia das crianças e dia de Nossa Senhora vou me permitir fazer um pedido:
Que as crianças do mundo possam ter melhores condições de vida, melhores expectativas e que cada uma possa, ao menos uma vez, sentir o gosto de ler um bom livro!

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